terça-feira, 1 de novembro de 2011

Dias em roxo

Seguia caminho, respondendo com acenos tímidos a um ou outro cumprimento disfarçado. Mas não me desviava. Insistia naquele jeito de andar aparentemente certo, mesmo que sem a menor convicção. Seguia tranquilo, sem pressas, e nisto, entre dois passos, uma cor invulgar saltou para a estrada. Vi-a e parei. Disse-lhe olá e fiquei à conversa. Cor quente esta, que também se deixou ficar. Conhecemo-nos, falámos, voltámos no dia seguinte.
Todos os processos de descoberta serão diferentes. Este também o foi, rápido e bordado a mistério. Mas à medida que a luz foi aumentando, aquela cor, tão certa e definida, no limite do visível, deu lugar a outras. A determinada altura, à minha vista, perfilavam, já, todas as cores vizinhas do espectro.
Dias passaram naquela estrada. Num fim de tarde, de uma praça percorrida, imergia um amarelo raro. Uma voz e uma guitarra enchiam-na de música, braços teciam bolas de sabão que a transformam num lugar mágico. Atentas, quatro mãos uniam-se enquanto escutavam os sons, enquanto olhavam para cima e viam uma bola de sabão reflectir um sentimento crescente.
O tempo acompanha o passo. Vê-se pó nos carreiros, aquele que tantas vezes esbate o brilho. Mas a cor original sobressai. E exibe diariamente a tonalidade que a permite adjectivar com mais de cinquenta palavras bonitas. Por isso tem sido assim, dias que começam e acabam numa cor, percorrendo, no entretanto, todas as outras. A música segue a compasso, tatuada em dois corpos. Tem sido assim, que seja assim.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Excerto de nada

Havia naquele olhar alguma interrogação. Por isso, desviei os olhos. E perdi-me um pouco. Depois, quando ganhei coragem para o voltar a enfrentar, já era tarde. No seu lugar, um vazio e uma sensação de vento frio, lado a lado com a decepção.

domingo, 10 de julho de 2011

A falésia logo ali

Ao fundo, caindo sobre prédios e montes, o sol anuncia o fim da jornada. A luz percorre o céu, num espectáculo que não deixa indiferentes a poucas pessoas presentes na praia. Em frente, o mar está calmo e quente. Do caminho tinham sobrado cruzares com turistas de classe média-alta, de sotaque mais ou menos enervante, e uma ponte sobre um lago que, a esta hora, promete imagens quase irreais. É Verão. A preferência de parte de um país está aqui. Conclusão fácil, depois de anos a ouvir a palavra sortudo entrar nos ouvidos.
Um, dois mergulhos. Do corpo, agora libertado, são expulsas tensões acumuladas. Algum conforto, de validade limitada. O rosto gosta da leve brisa. O pensamento regressa ao dia de ontem, ao de antes de ontem, sempre igual, e sugere um amanhã. Conclui-se, pela enésima vez, que corpo e lugar não se compatibilizam por simples insistência.
A noite caiu. O escuro do céu trouxe a calma mas por hoje chega. Grupos vão saindo de um bar barulhento. Gente moderna, contente com o ‘status’, que exibe pares de óculos de sol na penumbra e que se torce ao ritmo de suposta música. A ponte permanece intacta. Mal iluminada, agora.
Pedala-se rumo ao destino. Passeios ajardinados envolvem o caminho, a bicicleta contorna famílias britânicas em passeios tranquilos. E adivinha-se uma noite agitada. Deste lado, há força para mais um dia. É isso: haverá mais, amanhã. Sítio bonito, este, mas vazio. Já passou muito tempo, nunca serei daqui.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Uma pessoa

É-se sem se pedir.
Houve um decisor arrogante. Agora há passos e caminho.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Vocês

E então, ainda dorme?
Nem se mexe.
Não estará acordado?
Só se disfarçar muito bem.
Nem para comer se levanta. Não será melhor dar-lhe um abanão?
Às vezes é o que é preciso. Mas vá um gajo saber o que é que ele quer.
Anda, deixa-o ficar aí. Deixa a música a tocar.

terça-feira, 31 de maio de 2011

26º DNCD - Eu vs eu

Este eu, afastado de loucuras, enlouquecido pela sua ausência, despertou e não consegue adormecer. O outro ressona profundamente e não sabe quando vai acordar.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Inconformados sentados à mesa

Neste mundo as cadeiras têm quatro patas e eu não percebo porquê.
À questão, às outras questões, encolheres de ombro ou justificações deprimentes. Mas vou-me sentando. E depois, enquanto se janta, comida quente vai resfriando a revolta.
Neste mundo as cadeiras têm quatro patas. Por isso todas são coxas e madeira é desperdiçada.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Domingo à noite

Sentimento estranho, este, reflexo do fim de alguma coisa e do princípio de outra. Neste dia, deitar tarde é truque antigo e serve não para adiar, mas para fazer crescer o fim-de-semana.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

FMI

Aos especuladores, gente da bolsa e dos 'ratings', e aos anti-trabalhistas em geral, contribuintes com 0% para a riqueza nacional: lixo são vocês.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Um grito

Ouve-se um grito que se sabe ser nosso. Vem do silêncio interno, junta-se ao ruído alheio.
É um berro, também, tranquilamente desesperado. Abafado e contido, que se revela por se não encontrar o ouro que não se procura. E ignora-se. Depois, nas imediações da vontade, anti-corpos limitam a acção. Mas não se reconhece a maior das fraquezas. Talvez sim. Antes, na auto-estrada, o acaso levou-nos à mina. Não à nossa mas à de alguém que, afinal, nos faz descrer da loucura.

sábado, 26 de março de 2011

E o tempo?

Podia olhar, como alguém já o fez, para as páginas passadas. Recordar os passos, as etapas, e reafirmar o quão as coisas são efémeras. Mas à primeira tentativa um leve arrependimento. Afinal, não será motivo para tanto.
Depois do berro, presumível, de 81, veio tudo o resto, a galope. Sobram risos, lágrimas, sensações, gente. Aceito tudo isto, mesmo que não perceba o porquê do que quer que seja. Atribuo todas as responsabilidades à natureza e ao amor entre as pessoas. Quanto àquilo a que me fez aqui vir, limito-me a reconhecer não perceber o tempo e a ousar afirmar que, por mais que o homem caminhe, jamais será capaz de o compreender.

terça-feira, 8 de março de 2011

O dia em que me senti velho

Era fim de tarde e o dia sem começar. No diabólico passar das horas a certeza da inutilidade das mesmas. Mesmo assim, um passivo olhar em volta impedia decisões correctas.
Vivemos de escolhas, das acertadas e das outras. Mas quando se tem a certeza que o critério desequilibrador passa, apenas e só, pela falta de coragem, sejamos honestos em reconhecer que o problema não está em errar. O problema é outro e é pior de suportar.
Escrevo sobre o que realmente interessa: a aspiração a se poder caminhar com um sorrido nos lábios.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Oportuno é...

Oportuno é olhar para trás e confirmar que hoje é assim.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

25º DNCD - Guitarra vs capacete

Dois mundos que coabitam e que se ignoram. À postura pragmática e tecnocrata de um dos lados não se concebem desvios artísticos, no seriíssimo ritual do momento cultural são proibidas intromissões poluídas. Das duas partes uma evidente necessidade de criação.
Num choque constante entre opostos, sobram vitórias e derrotas para ambos. No final, um certo contributo mútuo.
Diariamente, o processo dialéctico exibe-se.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

A certeza na viagem

Chame-se-lhe deslocamento. Ao acto de andar com a certeza de que o esforço é orientado, dê-se-lhe esse nome, meio físico, meio absurdo. Se houver garantia de que o movimento é construtivo.
Estou certo dos ziguezagues, das meias-voltas, da necessidade de voltar atrás por nem sempre se acertar. Mas depois, no resumo diário, que resulte do cálculo um valor diferente de zero.
As escolhas, obra das sensações, fazem-se em andamento e estão desse lado. Fazem-se pelo que são e pelo valor que têm. Do lado de cá, haja sentido e convicção.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Quotidiano

Trago qualquer coisa presa aos braços. Às vezes paro e espreito, numa tentativa de descobrir o que é, mas a impaciência impede uma verificação atenta. Por isso regresso ao passo apressado, mesmo que acompanhado pela curiosidade.