quarta-feira, 30 de julho de 2008

14º DNCD – Quim António vs Os senhores do Mundo

Apresento Joaquim António, personagem fictícia, 40 anos, residente na periferia lisboeta.
Quim António, como sempre foi tratado, vive entre os demais. É por isso um ser anónimo se pensarmos na imensidão do país.
Isto só por si não quer dizer nada. Desde os 20 anos que o seu estilo de vida e maneira de ser o têm levado a conhecer muita gente, a desenvolver boas amizades.
Por ter crescido num meio pequeno precisou ir para a faculdade para perceber melhor as coisas. Na terrinha tinha os livros e a televisão mas na cidade a abertura era outra.
Não foi por isso difícil, por essa altura, revoltar-se com o Mundo.
Apenas mais um, poderá dizer-se. Não acho que seja assim.
Nas primeiras discussões sobre actualidade política conseguiu manter a calma, ao invés do seus novos amigos que prometiam destituir o presidente. Nesses dias ia para casa, sozinho, a pensar sobre o assunto, tentando construir de forma lógica e coerente o seu próprio manifesto. Acabava quase sempre por lhes dar razão, embora um persistente ‘mas’ fosse capaz de pôr alguns deles à beira de um ataque de nervos.
Na primeira Festa do Avante a que foi, era dos poucos não militantes do grupo. Valeu-lhe uma ou outra boca foleira dos mais sectários, perfeitamente diluídas na imensa alegria que sentia. Sempre apreciou aquele ambiente, o espírito, a arte. Deve ser por isso que continua a ir lá.
Foi uma época intensa: participou em protestos, leu os clássicos, idolatrou rock n’ roll.
Ciente da distância a que o seu sonho se encontrava, sorria perante as derrotas e minimizava as vitórias. De resto a vida corria-lhe bem, dentro daquela liberdade infinita de quem conta os tostões mas que tem o tempo a seus pés. Vidinha de estudante, subentenda-se.
Os anos foram passando e ao contrário de muitos manteve a coerência e o rumo há muito definidos. Não abalou perante decepções, queda de muros, desvios oportunistas ou incapacidades várias. Já antes tinha sabido lidar com contradições históricas além de que, quem como ele resistiu ao pós PREC, resistirá por certo a muito mais.
No início dos anos 90 mantinha a sua independência intacta, o preconceito em alguns temas, a arrogância perante os do costume. Despertou para os novos movimentos antes de muitos, e mais tarde foi a Génova e a Porto Alegre.
Sentiu há poucos anos necessidade de mais estabilidade. Por isso casou, com a sua companheira de há muito.
Tranquilo, olha para o futuro sem dele esperar muito mais. Para ele as coisas só mudarão quando as pessoas assim quiserem. É este o segredo e não haverá certamente força obscura que contrarie tal movimento.
Ontem deitou-se a pensar na crise do petróleo. Não evitou vociferar um dispensável palavrão insultuoso. Foi só uma desculpa para a mulher acordar e ficarem ali, minutos a fio, a fazer amor.

1 comentário:

N Marcelo disse...

Notável...
Mas (há sempre um "mas") no final, fico com a sensação que o Quim António e o Manuel Franciso são, eles mesmos, os senhores do mundo...
... e dilui-se o "DNCD"!